Experiência amazônica

Acre: estou aqui – artigo de Onides Bonaccorsi Queiroz

Por que você foi morar no Acre?, perguntam-me amigos, parentes e conhecidos de diversas localidades do país.

Você quer saber mesmo? E tem tempo para ouvir a resposta?

Porque, para começar a entender, você precisa se preparar internamente. É necessário se desvestir de conceitos, crenças e preconceitos para ser admitido nessa particularíssima dimensão amazônica.

Quando vim pela primeira vez, em 99, supunha que depararia com algo diferente do que estava acostumada – o que de fato se deu. O que eu não imaginava era com que impacto esse evento repercutiria dentro de mim.

As pessoas – as pessoas! –, a paisagem, o clima, os costumes, a comida, a cultura, a religiosidade, tudo isso estava nesse mundo novo e diverso que eu vislumbrava. E era uma composição de tal forma instigante que eu não consegui mais continuar sendo a mesma pessoa.

Precisei parar, refletir, avaliar, cruzar as informações recém-adquiridas e as precedentes para entender algo do que estava sendo processado na minha consciência.

De qualquer forma, havia algo que meu coração me dizia: um dia você virá morar aqui. Notícia que recebi com alegria e com a esperança de enfim encontrar as respostas com que as grandes cidades não tinham nem de leve me sinalizado.

Ainda se passaram 11 anos até que eu me mudasse, em 2010. Não foi fácil. Não é. O Acre é uma experiência existencial singular e desafiadora. Mas eu resisto. Por quê?

Porque o que o Acre me dá eu penso que não encontraria em outro lugar. Aqui resgato a minha humanidade, aprendo com os acreanos uma maneira simples, descomplicada – às vezes até demais! –, leve e acolhedora de viver e de me relacionar com os outros.

O Acre me dá floresta. Viver perto da natureza nos projeta para outro nível de vida, mais vibrante e significativo.

O Acre me dá um caminho espiritual verdadeiro, luminoso e frutífero, pois foi aqui que meu mestre, o maranhense Raimundo Irineu Serra estabeleceu, a partir da década de 30, a doutrina ayahuasqueira do Daime. Sou sua seguidora há 21 anos e por ele trago um coração cheio de gratidão que só quem sabe que sua vida foi resgatada poderá me compreender.

Com a medicina da floresta, que hoje chama a atenção de cientistas do mundo todo, meu olhar se renovou e tenho a sensação de ter me tornado uma pessoa mais suave e feliz. Tenho muito a aprender, mas trago a alegria de saber que estou no caminho.

E, para ser bem honesta, ainda não tenho condições de avaliar tudo o que o Acre representa para mim. Mas sei que é algo notável e curativo, um presente valioso que a vida me entregou. Estou me esforçando para ser digna dele.

Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista e escritora