“Acre – O Voo da Águia” – artigo José Rêgo

O momento é de valorização dos princípios e feitos do nosso vigoroso passado, de afirmação do presente e de negação, pela luta corajosa, do conservadorismo e do retrocesso. Nunca se impôs tanto a necessidade de reafimarmos a nossa história e confiarmos no nosso futuro.

Temos a obrigação de fazer registros históricos das profundas mudanças que o Acre experimentou e dos grandiosos avanços vividos no presente e sobretudo insistirmos nos nossos sonhos, em que pese as turbulências políticas suscitadas pelos profetas do atraso.

O Acre resiste e segue seu caminho, sempre para frente, como os altaneiros e corajosos atores da revolução acreana.

Declino da oratória e decido pela escritura, a grafia, a expressão literária. Esta é a oportunidade da análise dos fundamentos e dos fatos da história. Precisamos do registro que atravessa gerações.

Um grupo de companheiros, sob o comando do governador Tião Viana, profundos conhecedores do tema Mudanças Climáticas, estiveram na COP 21, em Paris.

No evento, o Acre foi reconhecido e destacado como o estado brasileiro que mais avançou na trajetória de desenvolvimento sustentável. Foi ressaltado pela sua estratégia de evitar o desmatamento e avançar no desenvolvimento.

Na ocasião, no chamado Acre Day, com a presença de ONGs de vários continentes, alguns governadores da Amazônia, e outras instituições públicas e privadas, foi lançado o livro ACRE – O VOO DA ÁGUIA.

O livro, de minha autoria, teve a qualificada e honrosa colaboração do governador Tião Viana e Gilberto Braga, ambos membros da Academia Acreana de Letras. A contribuição, pela qualidade do seu conteúdo, foi transformada no primeiro capítulo do livro, como abordagem importante e indispensável da contextualização.

A COP 21, pelo reconhecimento internacional do Acre na formulação do paradigma e na experiência de desenvolvimento sustentável, foi uma oportunidade de avaliação dos seus efetivos resultados. Um momento apropriado para apresentar o Acre e as características inovadoras do seu desenvolvimento.

Mas a finalidade do lançamento do livro no Acre tem motivações especiais. Além da difusão do conhecimento sobre a matéria analizada, são pontos relevantes a discussão dos caminhos do desenvolvimento sustentável, os avanços que tivemos e o grande salto do governo Tião Viana no desenvolvimento da estratégia e dos resultados do primeiro mandato (2011-2014).

O livro trata do desenvolvimento sustentável e da evolução do Acre no contexto e no enfrentamento dos desafios do mundo contemporâneo. É sobretudo uma discussão sobre aspectos fundamentais da sustentabilidade.

Por consequência, Acre – O Vôo da Águia é, ao mesmo tempo, uma análise da construção do desenvolvimento sustentável num espaço da Amazônia e um momento de abordagem do que é o desenvolvimento sustentável em abstrato e na sua dimensão concreta-específica. Descreve a trajetória do desenvolvimento sustentável do abstrato ao concreto.

Num breve e sintético relato, trata da evolução do Acre desde os primódios da ocupação dos seringais até a contemporaneidade.

Faz um diagnóstico resumido, não apenas como uma descrição, uma fotografia da realidade, mas descreve os problemas, os sintomas, e analisa as suas causas. Envolve uma abordagem teórica.

Propõe o modelo de resolução de problemas através do método de planejamento estratégico situacional e acompanhamento dos resultados. Demonstra o acerto da adesão ao planejamento público. Define a estratégia do desenvolvimento sustentável do Acre. Traz uma discussão sobre a relação crescimento econômico e sustentabilidade e mostra o dilema criado. Mostra como o Acre superou o chamado dilema dos extremos.

Conclui que no Acre a questão não é – desmatar ou não desmatar. A questão é como não desmatar. Enfim, mostra a execução da estratégia e os resultados no nível mais concreto.

Coloca em pauta o conceito e a história do desenvolvimento sustentável num determinado espaço da Amazônia – o Acre – onde acontece uma experiência de mais de 16 anos. O texto espelha a força de um projeto e de um povo quando o desenvolvimento é uma expressão de sua cultura e identidade.

Creio que não haveria melhor oportunidade de lançar ideias, modelos novos e soluções para antigas controvérsias do desenvolvimento sustentável. O livro mostra um retrato vivo do Acre, dos seus problemas, dos seus desafios, do seu pensar, das suas soluções, dos seus avanços e da construção do seu desenvolvimento.

Para compreensão e entendimento das questões expostas é necessário falar brevemente de fatos e mudancas que aconteceram no Acre nos últimos 16 anos.

É preciso salientar que a ameaça dos processos de produção predatórios, frente aos fundamentos do desenvolvimento sustentável e a resistência do movimento dos seringueiros e trabalhadores rurais, levaram o Acre a pensar um novo modelo de desenvolvimento que produzisse riqueza, distribuição de renda, justiça social, protegesse e conservasse os recursos naturais, a identidade, a cultura e o modo de vida das populações tradicionais.

Com os intrumentos do novo modelo, em dezesseis anos, os governos do Acre, comprometidos com o desenvolvimento sustentável, romperam com velhos e viciados paradigmas nas esferas do Estado e da sociedade. Estabeleceram sadios hábitos e normas de governar, fincaram os marcos humanistas e ambientais do progresso social.

Na segunda metade do século XXI, a partir de 2011, era evidente a necessidade de um salto no desenvolvimento econômico, para elevar a produção, o emprego e a renda. Especialmente a elevação do nível tecnológico da economia para promover o desenvolvimento com alta produtividade e rentabilidade.

Era preciso dar um ousado passo à frente. A elevação da produtividade na agricultura e pecuária em áreas abertas permitem a ampliação da produção sem desmatamento. Era chegada a hora de fazer desenvolvimento econômico como vetor do desenvolvimento sustentável. Este esforço e caminho precisam vir acompanhados por programas efetivos de desenvolvimento social, de oportunidades de inclusão produtiva, de educação, de saúde, de segurança e de inovação tecnológica em todos os setores da vida social. Feito o salto, abriram-se os horizontes de um novo Acre.

Estamos vivendo um momento de importância maior no esforço e processo de desenvolvimento do Acre. Uma etapa marcante de realização dos sonhos, de afirmação, de ascenção e alcance dos objetivos de emancipação econômica e social do povo do Acre.

Rompemos a barreira do subdesenvolvimento e superamos os dilemas crescimento econômico ou sustentabilidade; aculturação moderna ou tradição; e progresso desigual ou atraso. Estamos no caminho do desenvolvimento sustentável sem falsos dilemas.

A sustentabilidade ocorre, principalmente, em quatro domínios: econômico, social, político e cultural. O Governo Tião Viana e a sociedade civil assumiram o caminho do desenvolvimento sustentável sem tergiversação, sem rodeios evasivos.

Nessa direção caminharam as instituições e os poderes do Estado. Foram de especial relevância a esteira e o legado deixados pelos sucessivos governos da FPA.

Na Amazônia, por meio de ajustes tecnológicos simples, são justamente o crescimento da produção e o desenvolvimento econômico que evitam o desmatamento e permitem a sustentabilidade ambiental.

Com a intensificação da produção rural, quando a produtividade e a rentablidade aumentam nas áreas abertas, a produção cresce verticalmente, evita o desmatamento e permite a sustentabilidade. Essa lógica supõe a presenca do Estado. Não é uma solução do livre desenvolvimento do mercado para evitar a exaustão dos recursos naturais via substituição dos recursos naturais pelo capital no conjunto da economia.

Em verdade, o Acre é um estado florestal. O senso comum diz que floresta é a mata, o território coberto de floresta no sentido ecológico: as árvores, a fauna, e as bacias hidrográficas. Quanto aos humanos, o senso comum aponta que uns moram no rural, na floresta, outros no meio urbano. São identidades rigorosa e radicalmente distintas. Não é precisamente assim. Em sentido amplo, os fatores determinantes da floresta, em sua essência, são a cultura e identidade de um povo. No Acre o urbano é floresta. Floresta não é tão somente natureza, mas sobretudo cultura: valores, saberes, hábitos, costumes, crenças, fazeres e artes, originados em populações tradicionais que habitam um certo espaço. A floresta vem primeiro, mas a cultura dissemina-se em todos os territórios e torna-se sobredeterminante. Na medida em que a população urbana reveste-se de traços da cultura dos povos florestais, constituem-se em povos florestais e ganham identidade florestal. Está na cultura a determinação de um certo território.

O território é o espaço de afirmação do modo de vida dos grupos sociais, dos seus valores, costumes, hábitos, crenças, organização social e instituições. O que o especifica em última instância são as carcterísticas do poder e da cultura. O território é rigorosamente o espaço do desenvolvimento sustentável. O dilema da sustentabilidade : a redução de sustentabilidade a crescimento econômico (Robert Solow) versus renúncia ao crescimento econômico (Georgescu) desaparece pela obediência à capacidade de suporte ambiental em cada território.

A produção sustentável depende essencialmente da capacidade de suporte ambiental que é definida ”como a capacidade de um ecossistema ou de uma região para suportar sustentadamente um número máximo de população humana sob um dado sistema de produção”. A capacidade de suporte ambiental pode ser determinada.

No Acre, a desigualdade de escala e renda deu origem a um processo que promove a elevação da renda dos menores entre os desiguais. Com o Governo Tião Viana tem início um processo em que os donos do capital empreendem uma integração com as pequenas unidades de produção familiares. Contudo a integração não é exatamente o diferencial desses negócios. A integração ocorre com freqência em muitos lugares. O que distingue a novidade nesse arranjo é a presença do Estado, por meio de parceria Público-Privada-Comunitária. A presença e a participação do Estado garante a solidez do negócio e os ganhos dos menores na parceria. Além disso, há a parceria Público-Comunitária, reunindo os produtores familiares e o Estado, cujo maior exemplo é a parceria com a COOPERACRE em empreendimentos agroindustriais. A integração funciona como fator de elevação da renda dos produtores familiares e da melhoria de sua condição social.

A marcha para o desenvolvimento sustentável no Acre é irreversível. Não apenas no domínio econômico, mas na dimensão política, social e cultural. Somente a articulação e desenvolvimento harmônico desses quatro domínios tornam possível o desenvolvimento sustentável.

O texto do livro dá ênfase à origem e as determinações do novo modelo de desenvolvimento, aos caminhos de sua construção, às mudanças em curso e à perspectiva do cenário futuro. Faz uma discussão sobre a estratégia de desenvolvimento sustentável do Acre especialmente sobre dois temas fundamentais: crescimento econômico e sustentabilidade.

E trata do dilema dos extremos, no confronto das análises de Robert Solow e Georgescu, concluindo que o Acre pratica uma estratégia que supera o dilema dos extremos.

Finalmente, mostra que o desenvolvimento sustentável não é apenas um sonho, mas algo concreto que pode ser realizado quando se tem um estudo rigoroso da situação do território, uma proposta para sua gestão, uma estratégia correta, uma correlação de forças sociais favoráveis, vontade política e competência na ação. Esta é a trajetória percorrida pelo Acre. São caminhos, que superaram os obstáculos e levaram o estado à posição, mundialmente reconhecida, de primeiro e destacado protagonista do desenvolvimento sustentável na Amazônia e no Brasil.

* Assessor Especial do Governador do Acre, Professor aposentado da UFAC, Engenheiro Agrônomo, Especialista em Desenvolvimento Regional Integrado, Mestre em Economia e Dr. h. c.

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