Nem só na capital vive a indústria acreana

Confira a segunda reportagem da Série A indústria e o Acre

carteiras_foto_angela_peres_4.jpg

Nos municípios acreanos, a indústria também se fortalece (Foto: Angela Peres/Secom)

Embora 67% das indústrias de transformação e 86% das de construção civil estejam concentradas em Rio Branco, boa parte das indústrias acreanas não está localizada na capital do Estado, ao contrário. O setor tem instalações importantes em municípios como Brasiléia, Xapuri e Cruzeiro do Sul. Duas importantes indústrias de base florestal, a fábrica de preservativos e a de pisos, estão instaladas em Xapuri. Brasiléia abriga a Lindalva, única envazadora de água mineral fluoretada do Acre, que tem a segunda melhor fonte da região Norte. Lá também está a fábrica de cadeiras escolares em ferro e móveis tubulares da Casa Linda, e uma fábrica de telhas de alumínio.

Em Senador Guiomard estão concentradas indústrias de bebidas – refrigerantes, cachaças e aguardentes – e de polpas de frutas, entre elas a Biolight, que vende polpa de açaí concentrada, embalada em baldinhos de meio litro, para vários estados brasileiros. Acrelândia tem olarias, fábrica de telhas de cerâmica e vários laticínios.

O Vale do Juruá também tem uma indústria forte, com fábricas de refrigerantes, argamassa, temperos, café e até barcos de alumínio. Em Feijó duas grandes empresas do setor madeireiro devem se instalar até o final de 2010 para trabalhar com o manejo florestal e produzir laminados de madeira para exportação, um investimento de cerca de R$ 150 milhões, com geração de pelo menos 150 empregos diretos.

{xtypo_rounded2}

Veja a primeira reportagem da Série:

Lindalva está de olho no mercado asiático

Quando o seringueiro Raimundo Rogério do Nascimento trocou a colocação em que morava com a família no Seringal Guanabara, no rio Yaco, por outra, próxima a Brasiléia, não imaginou o ótimo negócio que estaria fazendo. A fonte de água em que a esposa lavava roupa e os filhos faziam uma festa de brincadeiras, hoje é, na verdade, uma grande fonte de renda, considerada como a segunda melhor fonte de água mineral da região Norte.

A indústria, que oficialmente ainda nem foi inaugurada, funciona há cinco meses e já não dá conta de atender a demanda, pressionada pelos clientes a expandir a produção e o mercado de atuação.

agua_foto_angela_peres_montagem.jpg

Raildo Lima é o gerente da empresa de água mineral, cuja fonte é considerada uma das melhores da região norte (Foto: Angela Peres/Secom)

Hoje o empreendimento conta com 34 funcionários, dois caminhões próprios e três terceirizados, quadro que deve dobrar no início de 2010, com a implantação de uma nova linha de produção. A ideia é ampliar o catálogo de produtos, que hoje oferece apenas a água mineral fluoretada em galão. "Vamos trabalhar com as garrafinhas, o copo de 350 ml e a água gaseificada. As companhias aéreas, por exemplo, não conseguem ser abastecidas pelo mercado acreano o ano inteiro. Tem uma época que falta água. O que não é o caso da nossa fonte, então, os nossos planos de expansão estão baseados em pesquisas de viabilidade e necessidades do mercado", explicou o diretor da empresa, Raildo Lima.

Raildo tinha por volta de 4 ou 5 anos quando o pai trocou a colocação. "Aqui ficava mais perto da estrada, e nós já tínhamos sofrido muito no Seringal Guanabara. Mas nem sabíamos que essa fonte era de uma água tão boa. Na verdade, a gente não sabia o que era água mineral, para nós, era apenas água, onde se lavava roupa, tomava banho, as crianças brincavam", conta Raimundo, pai de Raildo.

Foram os amigos do filho, que vez ou outra visitavam a área, que o incentivaram a fazer os testes de mineralidade da água. Raildo investiu então todas as economias da família na investigação. Até conseguir todos os selos, alvarás e atestados para funcionamento, são mais de 10 órgãos, municipais, estaduais e federais, a serem percorridos.

Raildo, que era funcionário público, e trabalhava no Consulado do Brasil na Bolívia, largou a carreira estável e hoje dedica-se de forma integral à indústria. Os planos para o futuro são audaciosos: a Lindalva está de olho no mercado asiático, hoje atendido pela água que é exportada pelo Ceará. "Nossa água tem muito mais qualidade e nós estamos às portas do Pacífico", comemora.

A indústria, que vai passar a fabricar as próprias embalagens a partir dos galões reciclados, tem capacidade instalada para envazar 1400 galões por hora. Hoje a Lindalva envaza dois mil galões por dia e atende os mercados de Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri, Assis Brasil, Cobija (Bolívia) e Rio Branco. Para instalar o empreendimento, o proprietário visitou indústrias em São Paulo para analisar os tipos de equipamentos mais adequados, sempre acompanhado por auxílio profissional.

A água é analisada por um bioquímico três vezes por semana. "Um teste de qualidade que a dona de casa pode fazer em casa é observar o bebedouro ao trocar os galões. A nossa água não cria aquele limo nas torneiras e no filtro. A água mineral fluoretada tem muitas vantagens. Uma delas é o flúor, que protege os dentes. Além disso, é uma água leve, não agride os rins", explica Raildo.

Cadeiras universitárias com preços competitivos

carteiras_foto_angela_peres.jpg

Carteiras universitárias produzidas em Brasiléia ganham mercado fora do estado (Foto: Angela Peres/Secom)

O negócio começou como um teste, uma espécie de laboratório, para analisar, de forma prática, a viabilidade da empreitada. Deu certo. Agora os mercados de Manaus e Rondônia, sem falar no acreano, estão a espera dos produtos, que terão qualidade e preços competitivos, graças a redução de custos com os transportes.

A Casa Linda, indústria de móveis, tubulares e divisórias, instalada em Brasiléia, decidiu ousar ao fechar um contrato de fornecimento de cadeiras para a Universidade Amazônica de Pando, em Cobija, na Bolívia. "Trazer as cadeiras de São Paulo, como eu comecei a fazer, não era lucrativo devido ao alto custo com transporte. Passei a estudar a possibilidade de ao invés de importar o produto pronto, trazer a matéria-prima e fabricá-lo aqui. Foram mais de duas mil cadeiras entregues para a universidade, claro, após 30 dias de testes com material, acabamento, regulagem das máquinas", explica o empresário Milton Tosti.

Agora a fábrica, que iniciou com máquinas simples e pequenas, vai ganhar novos investimentos e maquinário mais moderno. A estimativa é de gerar pelo menos 100 empregos diretos. "Temos representantes esperando nosso produto ficar pronto, na expectativa de fechamentos de bons negócios, devido o preço competitivo em relação aos mercados do Sul. Também poderemos atender faculdades particulares, escolas e até mesmo o Governo do Estado aqui no Acre", analisa. 

Barcos do Juruá com tecnologia de aviação

barcos_onofre_brito_01.jpg

André aprendeu a construir barcos com o pai e hoje administra grande empresa que fabrica embarcações em Cruzeiro do Sul (Foto: Onofre Brito/Secom)

Canoas, voadeiras e até lanchas são fabricadas em Cruzeiro do Sul, com tecnologia de aviação e o capricho de mãos cuidadosas de quem quer fazer o melhor por sua terra. A River Craft, indústria de nome estrangeiro e alma bem acreana, ainda está começando, mas o número de série dos veículos fluviais já ultrapassa a casa dos 280. Os barcos circulam no Vale do Juruá e até na Bolívia.

André Creiglow, de 32 anos, está à frente da empresa. Ele aprendeu a construir barcos com o pai, o pastor Miguel Creiglow – que construía barcos para as missões evangélicas pelos rios acreanos. O ofício, na verdade, foi ensinado pelo avô de André, que fabricava veleiros. O empresário, que estudou mecânica de aviões na Flórida, Estados Unidos, identificou a demanda e o potencial do mercado e decidiu voltar para o Acre para empreender o negócio, aliando os conhecimentos tradicionais aprendidos pela família com a tecnologia de ponta empregada na aeronáutica e aprendida no exterior.

"Meu pai produzia lanchas de compensando revestidas de fibra de vidro para acompanhar as igrejas ao longo do rio. Ele começou a comprar barcos de alumínio em outros estados. Veio então a idéia de produzir os próprios barcos utilizando o alumínio, ao invés de comprá-los prontos. Daí foi nascendo a possibilidade de produzir não só para o consumo e pensamos: porque não comercializar?", conta André.

Alguns conhecimentos trazidos na bagagem vinda da Flórida foram essenciais para construir o diferencial dos produtos da empresa: o conhecimento técnico, em especial da questão estrutural dos barcos, e o modo de trabalhar o alumínio foram emprestados das aulas de mecânica de aviões. O alumínio dos barcos, assim como o dos aviões, precisa ser leve e forte ao mesmo tempo. 

"Juntei o conhecimento acadêmico com o tradicional e o resto foi pesquisa. Muita pesquisa na Internet, nos livros. A prática de navegação nos rios também ajudou. A minha meta era construir barcos para a nossa realidade: rios com muitos galhos e troncos nos leito, que exigem barcos resistentes, mas que não sejam tão pesados para não perder a velocidade, e tenham, ao mesmo tempo, estrutura capaz de suportar as colisões e seja estável nas curvas", disse o empresário.

A River Craft funciona desde 2003 e tem apenas quatro funcionários. Os equipamentos máquinas necessários para o início da empresa foram comprados com recursos próprios – U$ 12 mil, que na época ultrapassou os R$ 35 mil. "Com esse recurso compramos alumínio e uma máquina MIG, para soldas, um dos diferenciais dos nossos barcos. Um modelo mais sofisticado, com carpete, poltronas, paineis, pára-brisas, santo-antônio e outros detalhes levam até 45 dias para ficar pronto. É um trabalho muito manual e somos perfeccionistas, gostamos de perder tempo trabalhando os detalhes. Então, não temos a competitividade das grandes indústrias ainda, mas temos um produto com qualidade superior", comenta André.

O empresário garante que os barcos concorrentes não são tão velozes e resistentes quantos os da River Craft. A empresa fabrica basicamente três tipos de veículos: as voadeiras, com bordas mais baixas, e bancos de alumínio, um produto que André garante não ter similares no mercado, as lanchas, barcos mais sofisticados e confortáveis, com motor bem mais potente e as canoas, embarcações mais simples, que utilizam motor de rabeta e são bastante utilizadas no verão, quando o volume de água está reduzido e os igarapés apresentam difícil trafegabilidade.

"A canoa de alumínio recebeu adaptações para substituir a de madeira, que tem no máximo 2 anos de duração. A de alumínio tem garantia de dois anos, com a vantagem de não enferrujar ou rachar. Sem falar no peso, que pesa 4 vezes menos que uma de madeira", explica.

Hoje são três máquinas de solda. O primeiro galpão foi construído com recursos próprios no terreno da família. Em seguida fizeram um financiamento através do FNO para o segundo galpão e um escritório, além de novos equipamentos para a dobra e o corte do alumínio.

"Nós já enfrentamos a nossa grande crise dos primeiros cinco anos de existência e tivemos o primeiro semestre de 2009 de lucro zero. Agora, recuperados, precisamos atender a demanda de Cruzeiro do Sul, que já é maior que a capacidade da empresa, e nos prepararmos para atingir outros mercados. Estamos em negociação com Manaus e acabamos de entregar o primeiro batelão de alumínio que vai navegar nos rios acreanos. A expectativa é de que a lancha que vai para o Amazonas dê o que falar, porque foi feita com capricho e é um produto com qualidade superior à concorrência".

Outras iniciativas industriais no interior:

Biolight

Produz polpa de açaí concentrada, em embalagens de 500g e atende várias cidades brasileiras.

Complexo Industrial de Xapuri

Utiliza madeira manejada e atende os mercados brasileiros e estrangeiros com pisos e decks de madeira certificada.

Fábrica de Preservativos

Única no mundo a produzir camisinhas com látex de seringais nativos. Toda a produção é vendida para o Ministério da Saúde.  Envolve hoje 500 famílias de seringueiros.

Beneficiamento de açúcar

Instalada em Brasiléia vai produzir açúcar refinado em saches voltados para uso em restaurantes, hotéis e lanchonetes.

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter