Ideias de Chico Mendes chamam atenção do mundo – artigo Elson Martins e Julie Messias

Riqueza preservada e valorizada no Acre (Foto: Arison Jardim/Secom)

Os avanços do Acre na agenda da sustentabilidade têm reconhecimento internacional crescente. A ideia foi defendida na Semana Chico Mendes (15 a 22 de dezembro), no auditório da Biblioteca Pública. O cientista norte-americano Daniel Nepstad, diretor executivo do Earth Innovation Institute, um dos três indicados ao Prêmio Chico Mendes, versão 2016, declarou na ocasião que “o Acre está na vanguarda da redução de Carbono”.

Nepstad se referiu ao fato de o estado ser pioneiro na implementação de políticas de mitigação das mudanças climáticas, pois vem reduzindo significativamente suas emissões de CO2, ao passo que desenvolve sua economia com base sustentável, valorizando povos e comunidades tradicionais. Ele acrescentou: “Países do mundo todo estão de olho no estado para ver como se faz isso”.

Como aliar desenvolvimento, sustentabilidade e preservação é uma grande questão, mas que tem no Acre um caminho apontado por Chico Mendes (líder seringueiro assassinado em 1988, reconhecido internacionalmente por sua luta em defesa da natureza), que vem desde a criação das reservas extrativistas até a base das políticas hoje implementadas.

O governador Tião Viana se inspira nele para dizer, durante a premiação, em que condições é possível alcançar esse desenvolvimento : “É preciso ter ética, simplicidade, sinceridade, boa fé…Isto é parte do legado que Chico Mendes deixou para nós”.

Além de Daniel Nepstad, foram premiados o engenheiro agrônomo Eufran Amaral, atual chefe da Embrapa no estado, e Maria Renilda Santana da Costa, a Dona Branca, que representa 350 famílias da Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade, no Vale do Juruá. A premiação representa o esforço comum que move também o governo do Estado, na contramão dos que defendem o desenvolvimento a qualquer preço.

Daniel Nepstad, recebeu o troféu “Castanha de Bronze” pela sua atuação há mais de 30 anos na Amazônia, onde estuda os efeitos das mudanças climáticas, políticas e uso do solo na floresta. É uma autoridade mundial em REDD e em desenvolvimento rural de baixas emissões (DRBE). Ele compõe o Grupo de Trabalho de REDD da Califórnia (EUA) e o Comitê Científico do programa de REDD do Acre. Foi um dos fundadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), e atualmente é diretor executivo e presidente do Earth Innovation Institute – Instituto Inovação da Terra.

Filho de seringueiro nascido em Tarauacá, mas transferido ainda criança para Sena Madureira, o engenheiro agrônomo Eufran Amaral tem doutorado e ocupou funções relevantes no governo: foi fundador do Instituto de Mudanças Climáticas (IMC), pesquisador da Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac) e secretário do Meio Ambiente. Atualmente na direção da Embrapa, mantém compromisso com o extrativismo e procura contribuir com ciência e tecnologia para as práticas comunitárias da floresta.

Dona Branca é  extrativista com identidade acreana. Cortou seringa desde os 9 anos de idade e hoje lidera a comunidade na Resex , representando-a junto ao governo para desenvolver  programas de exploração de baixo carbono, que geram renda sem queimar e sem destruir a natureza. Maria Renilda Santana da Costa, seu nome de batismo, representa a tradição no diálogo com os saberes da ciência. Por isso, encantou a todos no auditório da Biblioteca Publica, ao receber o prêmio.  A princípio ela se mostrou nervosa e encabulada, mas logo falou com desenvoltura sobre as mudanças que ocorrem em sua comunidade; e acabou por arrancar aplausos, após  cantar uma música de sua autoria que enaltece a esperança e a fé dos povos da floresta.

O Acre e a Califórnia

O Acre tem mantido 87% de floresta primária em seu território, sendo 47%  de terras protegidas por lei,  chamadas de unidades de conservação e as terras indígenas, e uma estrutura de governo e políticas voltadas para o desenvolvimento de baixas emissões e alta inclusão social. Entre 2003 e 2012, reduziu cerca de 62% da taxa de desmatamento, enquanto a população e a economia cresceram. A partir do Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre (ZEE), que é um instrumento de desenvolvimento centrado na perspectiva da sustentabilidade, houveram avanços significativos na gestão dos recursos naturais, na governança rural, bem como no desenvolvimento de economias de base florestal.

A Califórnia tem a oitava maior economia do mundo e é um líder de políticas ambientais que está criando um mecanismo para negociar carbono com as nações que possuem florestas tropicais, como o Brasil. O estado norte americano se comprometeu a reduzir suas emissões a níveis de 16% abaixo do business-as-usual.

No site do Earth Innovation Institute, na Internet, Daniel Nepstad assinou um artigo no qual afirma que “o programa da Califórnia abre uma perspectiva favorável ao Acre, que possui grande estoque de carbono retido com a proibição de desmatamento em seu território, podendo obter altos recursos com a venda desse produto aparentemente hipotético”.

“As florestas tropicais saudáveis- explica o cientista – são essenciais para a resolução das alterações climáticas. A clareira, o corte e a queima de florestas tropicais liberam cerca de um quinto das emissões de dióxido de carbono do mundo que são causadas por atividades humanas. Cerca de metade de todo o carbono que escapa para a atmosfera, quando as árvores tropicais são mortas por tratores ou motosserras, é absorvida novamente por árvores tropicais vivas, que estão crescendo e armazenando carbono em sua madeira. Se reduzimos a perda de florestas tropicais e aceleramos sua recuperação, as chances de evitar os piores impactos das mudanças climáticas se tornam consideravelmente maiores”.

“Mas o que a Califórnia tem a ver com as florestas tropicais?” –indaga o cientista, que responde: “muito”!

Desde 2008 o governador daquele estado americano, Arnold Schwarzenegger, vem estreitando relações com governadores de estados e províncias tropicais. A provisão de florestas tropicais do Global Warming Solutions Act (GWSA) da Califórnia – formalmente conhecido como programa de deslocamento baseado no setor internacional – estabelece o primeiro mercado regulador para canalizar investimentos para estados e províncias florestais tropicais do Brasil e da Indonésia, que estão reduzindo com sucesso a poluição de carbono causada pela destruição de florestas.

O ex-governador do Acre, Binho Marques (2006-2010), participou de uma reunião com Schwarzenegger em Los Angeles (2008), estabelecendo parceria para retardar a mudança climática. Esta parceria, que hoje soma 29 membros sob a denominação “Task Force Governors Climate and Forests”, com a sigla simplificada GCF, inclui territórios do Brasil, Indonésia, Peru e México representando um quarto das florestas tropicais do mundo.

Daniel afirma que “muitos governadores tropicais não esperaram pelo lançamento do mercado da Califórnia”, e que na Amazônia, “somente com a ajuda do governo brasileiro, os governos estaduais representados no GCF já reduziram mais de 70% as taxas de desmatamento, deixando para fora da atmosfera quatro bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Esta é uma contribuição maior para a mitigação das mudanças climáticas do que o plano de energia limpa de Obama terá alcançado em 2030”.

“Estes governadores tropicais e os agricultores, empresas e comunidades rurais  estão prontos para fazer muito mais. Mas eles precisam de um sinal de que o mundo vai se importar com o que fazem. Eles precisam saber que seus esforços para fazer o que as nações industrializadas não conseguiram fazer – manter a maioria de suas florestas nativas em pé – se traduzirão em melhores mercados para seus produtos, melhores investimentos em suas economias de baixo carbono e mais empregos. Em 2014, os governadores do GCF se comprometeram a reduzir o desmatamento 80% até 2020, se houver financiamento adequado”.

A provisão de florestas tropicais a ser negociada via GCF permitiria que os maiores poluidores de carbono da Califórnia compensassem até 4% de suas emissões totais investindo em programas estaduais que foram desenvolvidos para retardar a limpeza e degradação de florestas tropicais, argumenta Nepstad, que destaca o Acre:

“O primeiro estado pronto a receber investimentos da Califórnia é o Acre, no sudoeste da região amazônica. Durante uma visita recente a esse estado brasileiro, onde presto serviços no comitê de ciência do programa estadual de mudança climática, fiquei inspirado pelo notável progresso que foi feito na construção de uma nova economia ‘de baixo carbono'”.

“O Acre está mantendo as florestas em pé ao mesmo tempo em que produz mais alimentos na terra já desmatada, aumentando suas exportações de peixe, carne de porco, frango, castanha do Brasil e borracha nativa para outros estados. Está criando empregos e novas fontes de renda para os povos indígenas do estado, seus seringueiros e seus pequenos agricultores”.

Esse cenário é reflexo de um conjunto de políticas implementadas no estado a partir do ZEE.  Um exemplo neste sentido, é a criação do Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais – SISA, a partir da Lei nº 2.308/2010, que prevê incentivos para a redução das emissões de carbono para a atmosfera a partir do desmatamento e degradação florestal (REDD +), e segue a trajetória para se tornar um dos programas jurisdicionais de REDD+ mais avançados do mundo.

O primeiro Programa executado no âmbito desse Sistema é o ISA Carbono, configurado como programa inovador de REDD+ com abrangência jurisdicional no Acre. Um importante impulso para a sua implementação veio em 2012, através da iniciativa Global REDD Early Movers, REM, (do Banco de Desenvolvimento KFW da Alemanha).

Com apoio do REM, o Estado tem beneficiado as famílias que produzem de maneira sustentável, seja com a coleta de castanha, corte do látex, manejo florestal de baixo impacto, recuperação de áreas alteradas e piscicultura, ocasionando a redução do desmatamento anual e consequentemente a emissão de toneladas de carbono para a atmosfera, tornando o Acre o primeiro estado do Brasil a realizar REDD+.

* Jornalistas