Lula e o Acre, parceria de longa data

O ano era 1988. Era madrugada quando o telefone do jornalista Ricardo Kotscho tocou com Luiz Inácio Lula da Silva informando que às 6h os dois se encontrariam no aeroporto para embarcar rumo ao Acre. Chico Mendes havia morrido e Lula estaria no velório. Kotscho não fazia a menor ideia de quem era o tal líder seringueiro e deu um jeito de enviar outro em seu lugar. Mas Lula o conhecia bem. Assim como conhecia também vários outros líderes rurais e comunitários por nome e por luta, em várias cidades acreanas. Não era a primeira vez que o futuro presidente do Brasil poria os pés em solo acreano.

A relação de Lula com o Acre extrapola os limites da política e alcança fácil o carinho que o ex-presidente tem com o Acre. Em 1993 Assis Brasil, fronteira com o Peru, foi o ponto extremo escolhido por Lula para iniciar a segunda Caravana da Cidadania, que lutava para que a população esquecida pelos olhos das regiões centrais do Brasil tivessem consciência de seus direitos e lutasse por eles.

Entre as idas e vindas para organizar e fortalecer o Partido dos Trabalhadores no Acre, campanhas eleitorais e causas sociais foram muitas as vezes que Lula esteve no Acre. Enquanto presidente prestigiou inaugurações de obras importantes como o Aeroporto Internacional de Cruzeiro do Sul, a Ponte Binacional entre o Acre e o Peru e os hospitais da Criança e do Câncer. Agora o presidente do Instituto Lula e ex-presidente do Brasil por dois mandatos vem ao Acre novamente, mais uma vez participar de uma inauguração.

Pela primeira vez no Acre após encerrar o segundo mandato como presidente da República, Lula deve desembarcar nas terras de Galvez nesta quinta-feira. E, de tantas vezes que já deserbarcou, já não se tem a conta de quantos desembarques Luiz Inácio fez em Rio Branco. Os limites da capital também não o prenderam. Queria explorar o Acre e saiu, tantas vezes, a desbravar o estado.

“O Abrahim Farhat era um empresário muito rico na época e sempre emprestava um caminhão pra gente fazer nossas viagens pelo interior. Lembro de muitas vezes ter empurrado o carro atolado nas estradas de Sena Madureira, Brasileia. O que mais me orgulha em ser companheira de Lula todos estes anos é que ele nunca mudou, mesmo alcançando o que ele alcançou. Ele nunca deixou de olhar para as pessoas com humildade”, relembra Júlia Feitosa, militante de esquerda que lutou ao lado de Chico Mendes.

Sandália de borracha e camisa com botões trocados

Dos tempos de militância estudantil e das vindas de Lula ao Acre, Patrycia Lopes Coelho, lembra bem de uma palestra que o petista barbudo que lutava para mudar o Brasil fizera na quadra do Colégio Meta, entre 1985 e 1986, logo depois de ter sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

A plateia – de não muitos integrantes naquela época – foi formada principalmente por trabalhadores rurais.  “Eu era estudante e já militava na esquerda. Tinha trabalhadores urbanos também. E a imagem daquele homem barbudo, de sandália de borracha e camisa abotoada de forma irregular, ficou na minha mente. O discurso dele era sobre liberdades democráticas,

O fusquinha vermelho do Nilson Mourão

Mourão é um militante histórico e dirigia seu fusquinha pelas ruas de Rio Branco, dando carona a Lula e outros companheiros (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Mourão é um militante histórico e dirigia seu fusquinha pelas ruas de Rio Branco, dando carona a Lula e outros companheiros (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Não foi uma ou duas vezes que o fusquinha vermelho do Nilson Mourão cruzou as ruas de Rio Branco em direção ao aeroporto para transportar Lula. “Muitas vezes eu mesmo estava ao volante e ele não deveria imaginar o perigo que corria comigo dirigindo. Ia buscar e deixar no aeroporto, levava para as reuniões, buscava no hotel. Depois o Jorge Viana entrou no circuito e articulou um carro melhor para transportar o companheiro”, comentou.

Respeito pelos seringueiros – “O Lula sempre foi um grande símbolo para os trabalhadores do Brasil inteiro. Símbolo de dignidade, luta, resistência e de conquista de vida melhor. Sempre teve grande proximidade conosco e profunda admiração e respeito pelos seringueiros e trabalhadores rurais, numa demonstração de que sua luta não era somente para a classe operária dos grandes centros, mas avançava todo o país, todas as regiões, mais pobres, mais distantes e discriminadas. O Lula sempre lutou contra a discriminação que é feita com a Região Norte e a presença dele era a afirmação de que no seu projeto essa região seria valorizada, como de fato foi”, comentou o petista, que já assumiu mandato de deputado federal e hoje é secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos.

O hóspede: um simples ilustre

A casa simples na quadra C, número 11, do Conjunto Mascarenhas de Morais pertencia a um jovem sonhador que trocava de nome para fugir da regime militar e não desistia de tentar tornar o país e o próprio Estado num lugar melhor. Naquela época, Luiz Inácio não havia subido a rampa do Palácio do Planalto. Mas não perdia uma oportunidade de explorar os rincões do Brasil, fazer reuniões com o povo, tentando semear sonhos para colher grandes transformações na sociedade.

“Ele ficou hospedado lá em casa, teve um quarto para ele. Sempre foi um homem simples, de hábitos simples, e eu tenho muita honra em tê-lo hospedado”, disse Carlos Augusto Lima Paes, que na época se chamava Raimundo Cardoso e foi candidato a prefeito de Rio Branco.

O beijo na testa

Numa das reuniões que Lula fez na quadra do Colégio Meta para falar aos trabalhadores sobre direitos e liberdades, um jovem militante de esquerda, que já nascera com a alma vermelha e empunhando bandeira, estava próximo ao portão de saída quando foi apresentado por seu pai ao Lula. “Ele me deu um beijo na testa. Eu tinha nove anos e nunca esqueci esse momento. Estive presente em todas as vezes que o Lula esteve no Acre, e na última, já na condição de presidente do PT, pude jantar com ele e conversar sobre política”, disse Leonardo de Brito, presidente do Diretório Regional do Partido dos Trabalhadores no Acre.

As carreatas de poucos carros

“Na primeira vez que veio aqui ainda usava aquela barba mal feita, mas eu sempre acreditei que aquele homem seria presidente do Brasil um dia”, relembra Badate (Foto: Sérgio Vale/Secom)

“Na primeira vez que veio aqui ainda usava aquela barba mal feita, mas eu sempre acreditei que aquele homem seria presidente do Brasil um dia”, relembra Badate (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Embora o PT tenha sido sempre um partido com grande número de militantes, poucos eram os que tinham carro no Acre e era em cima de uma caminhonete branca, recém-adquirida por um jovem empresário que Lula fazia carreatas (mesmo que com poucos veículos) e proferiu alguns de seus discursos no Acre.

José  Batista de Queiroz, o Badate, não veste camisas vermelhas por acaso. Ele defende a bandeira petista desde 1982 e está entre os fundadores do Partido dos Trabalhadores no Acre. Na Universidade Federal do Acre (Ufac), participou, junto com tantos outros petistas históricos, da “Caminhando”, uma tendência de esquerda que, embora não pertencesse ao PT, era simpática à causa.

Na segunda Caravana da Cidadania, o empresário foi o responsável, junto com outros dois companheiros, por organizar um grande jantar com 300 pessoas de todos os segmentos da sociedade, no Hotel Pinheiro, para arrecadar fundos. “Nós vendíamos os convites com preço dobrado para que alguém que não poderia pagar pudesse participar”, recorda.

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