O endereço do saber – artigo de Andréa Zílio

Nessa vida de tanta pressa, o que nos faz parar, pensar e se emocionar?

Hoje, me emocionei ao chegar a uma rua estreita no bairro Altamira, passar pela cerca de madeira que dá entrada a um quarteirão e ver um lugar simples, com histórias interessantes e, acima de tudo, um espaço dedicado a um bonito desafio.

Uma parede de bambu feita por um vizinho transformou o quarteirão, o lugar ganhou plantas bem cuidadas e vistosas penduradas pelas mulheres; placas com algumas palavras como banana, tia, melancia, tio, entre outras, passaram a enfeitar o teto; e na parede do próprio quarteirão, o velho e bom quadro negro com a frase: “Gente tem nome e sobrenome”, de uma música de Toquinho:

“(…) Renato é Aragão

o que faz confusão

Carlitos é Charles Chaplin

e tem Vinicius

que era de Moraes

e Tom brasileiro é Jobim (…).”

Uma placa em especial deixou claro no que aquele espaço se transformou. Em letras menores, a palavra “programa”, e em letras maiores, “quero ler”. Sim, ali virou um espaço dedicado ao Programa Quero Ler, idealizado e realizado na gestão do governador Tião Viana. As carteiras foram doadas pela Secretaria de Estado de Educação e Esporte.

O mais interessante foi perceber nesse pequeno espaço uma essência enorme – bastou um incentivo para que a proposta fosse adiante, reforçada com a vontade de realizar um sonho: o de aprender a ler e escrever. Mais que um programa de erradicação do analfabetismo, estamos falando de realizar sonhos, muitos deles interrompidos pela falta de oportunidade e pelas responsabilidades adquiridas em vida voltadas para o trabalho.

Num dia agitado e diante de uma classe de alunos tão empolgada com a visita do governador Tião Viana e do prefeito Marcus Alexandre, acompanhados da professora Madalena, representando o Banco Mundial, foi possível conhecer algumas histórias. Afinal, os flashes da noite estavam voltados para aqueles estudantes sorridentes, acanhados e felizes.

Um homem e uma mulher, sentados um ao ladinho do outro, me chamaram atenção, até por aparentarem ser os mais velhos da classe. Um pouco de prosa antes e mais prosa depois da visita, pudemos ficar tranquilos. E assim, dona Creuza Dias, 67 anos, e seu Antônio de Castro, 72, ficaram à vontade para contar suas histórias.

Os dois nasceram no Seringal Amapá, se conheceram jovens e se apaixonaram. A união já dura 51 anos. Nesse tempo longo, um sonho interrompido: aprender a ler e escrever.

Dona Creuza ainda teve um pouco de chance, pois o pai em certa época conseguiu manter um professor por três anos no seringal. Mas quando ela tinha 12 anos, ele faleceu. Dona Creuza me mostrou em seu caderno que sabe copiar textos dos livros e sabe também escrever o próprio nome. Foi o que conseguiu aprender, pois, depois disso, a vida foi de trabalho no roçado e em casa, cuidando dos sete filhos, que lhe deram nove netos e um bisneto.

Já para Antônio, a chance só surgiu agora – antes sua vida foi dedicada a 15 anos de trabalho transportando borracha; depois, em uma fazenda, caiu de um cavalo, fraturou um ombro e perdeu o movimento do braço. Quando perguntei se ele ia conseguir escrever com a mão esquerda, ele rapidamente me mostrou que basta carregar o braço com a outra mão e colocar no apoio da cadeira, que consegue escrever com a mão direita, que tem movimento, como dissesse: “Isso não me impede, estou pronto para aprender”.

Realmente eles estão prontos para aprender, prontos para descobrir o que significa a magia de juntar letras, formar palavras que mostram mais do mundo, da vida, da imaginação. Prontos para não pedir mais que lhes digam qual é a placa do ônibus que se aproxima, a orar para que a pessoa a quem pediu ajuda no caixa eletrônico seja honesta e não vá lhes enganar, a pegar um livro e descobrir o que quer dizer, a história que ele conta…

E com essa nova descoberta, com toda certeza, outros sonhos passarão a fazer parte da vida de dona Creuza, seu Antônio e dos outros alunos!

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