A irreverência anárquica de Océlio Medeiros vai deixar saudades

O Brasil perdeu na última terça-feira a inteligência rara do acreano que caminhava avante de seu tempo

ocelio_900.jpgO Acre perdeu recentemente um de seus mais inquietos intelectuais. A morte do escritor, poeta, professor, advogado e ex-deputado federal Océlio de Medeiros, ocorrida na terça-feira, 5, sela a inquietude política de um homem que viveu além de seu tempo.

Océlio morreu em Brasília, aos 94 anos. Foi deputado federal pelo Pará, de 1959 a 1967, sendo cassado pela ditadura militar. Neto de Benedito Monteiro, um dos coronéis da Revolução Acreana de 1903, dedicou mais de 50 anos à pesquisa sobre Plácido de Castro.

Sua passagem repercutiu no Congresso Nacional, com o senador Tião Viana fazendo menção ao trabalho do xapuriense que se destacou, inclusive, servindo ao Gabinete Civil da Presidência da República nos governos Eurico Gaspar Dutra, Café Filho, Nereu Ramos e Juscelino Kubitschek. Medeiros foi consultor jurídico da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Em pronunciamento realizado na tribuna do Senado nesta semana, o senador Tião Viana lembrou o trabalho do acreano, onde costumava passear no Lago Paranoá em uma réplica de caravela. "Por suas inestimáveis contribuições à cultura e educação brasileiras, ele faz jus à homenagem póstuma que ora proponho. Era um amante profundo da Amazônia e das causas da responsabilidade do Brasil", disse Viana.

O ex-deputado publicou vários livros, primeiro nas áreas de Direito e Economia, e depois como poeta. No artigo "Irreverência Histórica", um de seus muitos amigos, o jornalista  Élson Martins lembra que Medeiros  foi contemporâneo de Jarbas Passarinho, Armando Nogueira e Jorge Kalume na Xapuri dos anos 20. "O pai, Felipe Medeiros, exerceu a função de juiz de direito no tempo em que ser juiz chamava atenção, mais pela dignidade e sabedoria jurídica que pelo salário que recebia ou por exercer o poder de mandar cidadãos pobres para a cadeia", relata Martins.

Como vingança aos ataques que vinha sofrendo da sociedade acreana do começo do século passado, escreveu em 1942  o romance "A Represa". Outras publicações que podem ser destacadas são: Governo Federal no Brasil, Reorganização Municipal, Anais da Comissão de Valorização Econômica da Amazônia, A Organização e Administração dos Territórios Federais, Municipalização dos Serviços, Problemas Fundamentais dos Municípios Brasileiros, além de um estudo de economia sobre a Amazônia intitulado The Brazilian Plan for the Economic Development of the Amazon Region. Nesse contexto, lembra o desembargador Arquilau de Castro Melo, outro grande amigo, Océlio era uma referência nacional em Direito Municipal, citado em várias obras jurídicas sobre o tema. Professor da Universidade de Brasília (UnB), lecionou ao lado de Aliomar Balieiro, especialista em Direito Tributário.

Publicou ainda Jamaxi, a poesia do Acre, em 1979; Desde quando o Verde era mais Verde, em 1990; Ante o Conflito de Culturas e o Confronto das Estruturas, em 1990; e, já neste milênio, Bolpebra (Opereta Bagunçada), Mirações Acre, na gleba de oração da Ayuasca, em 2003 e Só Sonetos, em 2005.

Océlio era um intelectual diferente. "O perfil dele era o de um anarquista", diz Élson Martins sobre o homem que não se enquadrava nas codificações ideológicas vigentes, mas assustava o regime da época, que o cassou e o perseguiu.

O pensamento anárquico o levava a muitas aventuras. Numa delas, refez em uma caravela e com os tripulantes vestidos com trajes da época, o trajeto de Antônio Teixeira, da foz até a cabeceira do rio Amazonas. O coração solidário acabaria por gerar tantos desafetos que houve tempo em que só andava acompanhado de seguranças. Foi o primeiro advogado a encarar os paulistas, os fazendeiros migrantes que deram início à substituição da floresta por pastagem no Vale do Acre. Chegou a ser indicado como candidato a governador pelo PT na década de 1980, no auge dos embates com os paulistas.

Océlio morreu aos 94 anos deixando um legado instigante, misterioso ao ponto de mesmo diante de tamanha agitação, anarquia e fatos quase não se  vê nada sobre ele entre seus conterrâneos. "Falta ao Acre conhecer Océlio", resumiu o desembargador Arquilau, para quem o amigo era "dono de uma personalidade que pela irreverência incomodava muita gente. Um superdotado de inteligência".

 

 

 

Edmilson Ferreira

Agência de Notícias do Acre