Brincadeiras, arte e cores expressam o pensamento yawanawá – último diário de bordo do 12º Festival Yawa

A tribo está em festa (Foto: Sérgio Vale/Secom)

A tribo está em festa (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Dizem que os olhos são a janela da alma. Talvez porque, assim como as janelas, refletem o que está no interior. Uma janela, diferente da porta, só pode ser aberta por dentro. E quando aberta, permite que o interior da casa seja visto, ao mesmo tempo em que é de onde se observa o mundo lá fora, ou pode-se ter uma bela conversa com quem mora ao lado. É com esse sentimento de troca de olhares entre vizinhos que chegamos ao nosso terceiro e último diário de bordo.

Márcia da Silva Yawanawá faz os kenês em Shaneihu Yawanawá (Foto: Sergio Vale/ Secom)

Márcia da Silva Yawanawá faz os kenês em Shaneihu Yawanawá (Foto: Sergio Vale/Secom)

 Kenê Yawanawá

Durante uma manhã inteira, Márcia da Silva Yawanawá, 33 anos, que está grávida do 6º filho, não parou de trabalhar. Ela é uma das pessoas que faz a pintura corporal tanto dos indígenas quanto dos visitantes. Desde pequena, quando começou a tomar o uni (ou “ayahuasca”, bebida sacramental de vários povos amazônicos e andinos), começou a fazer essas pinturas chamadas “kenês”. A arte aprendeu com uma tia. Dois dos filhos já seguem seu exemplo. “É um dom que a gente tem. Quando você cria, vem mais ainda. E isso traz mais criatividade, mais experiência”, diz.

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12º Festival Yawa – diário de bordo

Em geral, os kenês representam animais ou objetos presentes no dia a dia de quem vive na floresta. Alguns dos desenhos mais comuns são borboleta (“awavená”), cobra (“runuwa”), peixe (“washushaká”) e lança (“paspy”). “Nós olhamos para a pessoa, a pessoa que merece ter aquela pintura, você olha a pessoa, vê que a pessoa tem isso e coloca a pintura”, revela.

As cores podem vir do jenipapo, tom escuro e que dura mais de uma semana na pele, ou a cor vermelha obtida com o urucum, que sai mais rápido. Um palito, linha de costura, um pequeno recipiente e, claro, habilidade são os instrumentos para essa arte.

Além da pintura corporal, também é parte da programação a exposição do artesanato local. Pulseiras e tornozeleiras mostram a diversidade dos kenês. Há ainda colares de miçangas ou sementes. As penas de aves fazem parte dos cocares, brincos e acessórios para cabelo. É um festival de cores!

E o que dizer da beleza do povo? Certamente as imagens falam mais do que qualquer palavra. Dê uma olhadinha na galeria de imagens ao final deste diário.

Brincando a gente se entende

“O Festival é um momento de relembrar nossa origem, nossa ancestralidade, de fazer uma reflexão e não perder esse contato, essa harmonia com a natureza, a maneira como o yawanawá se organiza”, diz Shaneihu Yawanawá.

Ritual do peixe-boi (Foto: Sergio Vale/Secom)

Ritual do peixe-boi (Foto: Sergio Vale/Secom)

Entre os vários momentos que lembram como o yawanawá se comportava há milhares de anos, há o ritual do peixe-boi. Quando há desavenças entre eles, resolvem assim: chamam a pessoa que ofendeu para o centro da roda formada pela comunidade. Então, com o talo da bananeira, cada um pega uma espécie de chicote com que bate nas costas do oponente duas vezes. O outro faz o mesmo. E assim o problema é resolvido. “É para mostrar que, como homens responsáveis, eles são capazes de resolver suas desavenças sem ofender o outro, sem se intrigar”, explica Biraci Brasil Júnior, liderança jovem.

Após os golpes, as mulheres, especialmente as irmãs, entram na roda e retiram aqueles que apanharam. “Tá bom, nós perdoamos vocês, então venham com a gente,” continua explicando Biraci.

Crianças, mulheres e visitantes também podem participar desse ritual de superação de desavenças. A oportunidade é concedida como uma honra: “Vocês vêm, trazem ensinamentos, trazem coisas boas para a gente. E o que a gente tem a devolver é isso, é compartilhar o que nós temos de melhor” conclui.

Outra parte tradicional do festival são os cantos e danças. Uma delas é kurainonodê. “É uma dança para a gente se divertir, a menina dançar com o rapaz”, explica a adolescente de 13 anos Maricá Luiza Rodrigues Yawanawá. Além de ser um momento de diversão, a atividade também é encarada como uma apresentação. “A gente dança, a gente brinca, pula, para dar o melhor para as pessoas verem. Não só do nosso povo, como vocês também que vêm de fora. Ah, é um orgulho, a gente fica muito animado”, finaliza.

Maricá Luiza Rodrigues Yawanawá, canto, dança e arte na essência yawanawá (Foto: Sergio Vale/Secom)

Maricá Luiza Rodrigues Yawanawá, canto, dança e arte na essência yawanawá (Foto: Sergio Vale/Secom)

Além de visitantes de mais de 20 países e diversos estados brasileiros, participaram do festival representantes de outros povos indígenas do Acre e também do vizinho Peru. “É o fortalecimento interno da cultura do povo yawanawá. E essa troca de cultura com outros povos também possibilita pessoas de outros países, de outros estados também ver a realidade da cultura do povo do Estado do Acre” diz Zezinho Kaxinawá, assessor de Assuntos Indígenas do Acre. “Hoje nós temos o fortalecimento cultural dos povos indígenas do Estado. Tivemos recentemente encontros dos povos Nukini, Nawa e Puyanawa”, finaliza.

E depois de tantas cores, formas e cenas novas, não há como não fechar os olhos e ficar revendo aquelas imagens mesmo há quilômetros e dias de distância da Aldeia Nova Esperança, em Tarauacá, onde foi realizada a 12ª edição do Festival Yawa. Nesses quase dois dias podemos dizer que vimos parte do pensamento yawanawá. Não ficamos nem na metade da duração do evento. Muitas outras atividades transcorreram depois… Mas se você, assim como nós, também se sente curioso para conhecer mais essa cultura, quem sabe, no ano que vem embarcamos juntos para o 13º Festival Yawa?

Para nós fica a saudade, ou a palavra yawanawá para esse sentimento do que provamos e aprovamos: “kanarô”!

Kanarô, txai!

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