É hora de definir um novo modelo de desenvolvimento do Acre

Prof. Dr. Carlito Cavalcanti

O inicio de um governo não se resume a um momento de renovação das esperanças de melhorias das condições de vida da população, muito além, cria um contexto favorável à redefinição de novas atitudes, melhorias do padrão de governança, entre outras, e, sobretudo, constitui um momento favorável para a construção de uma nova politica de crescimento econômico para o Estado do Acre.
O plano de Governo do Gladson Cameli, ‘Mudança e Competência’, não contempla esta discussão, mesmo porque não se dispôs a tanto. Ali foram definidas, tão somente, as diretrizes de Governo, o que na verdade não é trivial. Urge, portanto, por atual e necessária, a definição do modelo de crescimento da economia acreana: o velho agoniza, mas ainda resiste e o novo, ansiosamente aguardado, tarda a nascer.
Esboço aqui, alguns pontos que considero importantes para uma discussão desse tema, na esperança de contribuir para o debate sobre este assunto tão vital para o governo em seu primeiro ano de gestão e para os milhares de acreanos, sobretudo, a parcela pobre da população e os desempregados.
Um ponto de partida pode ser a constatação, não tão óbvia, de que o desenvolvimento econômico de um país, ou mesmo de um Estado, não é resultado de geração espontânea, não brota do nada, nem tampouco, vai acontecer ao longo do tempo, por inércia. Ao contrario, requer uma ação política, uma definição de objetivos a serem alcançados e a quem se destinam os resultados. Em decorrência, requer estratégias e, por fim, a definição de um horizonte temporal.
Outro ponto relevante, sobretudo no caso acreano, é a constatação de que as políticas setoriais, por suposto, não podem ser confundidas com a política global. Por mais evidente que isso possa parecer, não raro, isso acontece. Um bom exemplo, é a definição da política ambiental como vetor de desenvolvimento capaz de gerar riqueza, empregos, impostos e resultar numa melhora das condições de vida da população. Esta, por mais importante que seja, não está acima da política global e, portanto, ser parte indissociável desta.
A definição de uma política global de desenvolvimento regional, que aponte para a solução dos principais obstáculos, visando à geração de empregos e a criação de um novo tempo, não é apenas oportuna, mas, imprescindível, para o Governo que se inicia.
No caso acreano, um estado amazônico, ganha relevo a constatação de que, durante muito tempo, a literatura específica destacou, como um dos principais problemas para a economia, a existência de um trade off entre a produção e a degradação ambiental. O padrão de produção e consumo, decorrente ainda da revolução industrial britânica, impôs esse dilema como parte estrutural da sociedade moderna. Assim, antes de produzir, impunha-se a escolha excludente: produzir desmatando ou degradando o meio ambiente, ou não produzir. A trajetória do vizinho Estado de Rondônia, é um caso típico do exposto.
Vivemos, todavia, um momento de superação desse trade off. As economias modernas são capazes de construir uma nova forma de produção baseada em atividades de larga escala, com alta produtividade, mas sem desrespeitar as leis da natureza. É isto o que normalmente se define como produzir em condições ambientalmente sustentáveis, ou produção com baixas emissões de carbono. Os mercados, por sua vez, começam a atribuir importância e valor a estes produtos: produção com baixa emissão de carbono, capaz de mitigar os seus efeitos danosos. A Amazônia conseguiu, recentemente, aumentar a sua produção agrícola, ao mesmo tempo em que diminuiu suas taxas de desmatamento.
Neste cenário descrito, é mais que oportuno o uso do zoneamento agroecológico para que sejam definidas, de forma cientifica, e pactuada com os diversos setores produtivos da sociedade, as áreas para pecuária, para desmate e, principalmente, para preservação, embora, neste quesito, já estejamos bastante adiantados.
O modelo a ser implementado deve, prioritariamente, gerar riquezas, produtos e, ao mesmo tempo, conservar a floresta amazônica. Por outro lado, pensar em desenvolver a região implica, também, pensar na equidade social e fundamentalmente na geração de riquezas, questões que, curiosamente, vêm sendo relegadas. Aliás, rigorosamente, este é o cerne da questão: esta tríade de conceitos compõe o núcleo fundamental da ideia de desenvolvimento sustentável ou de uma economia de baixa emissão de carbono.
Posto assim, não parece despropositado pensar neste conceito como um princípio, em que estas condições podem e, devem, ocorrer em conjunto, sem que se estabeleça nenhum primado de importância. Nada, portanto, de pensar em primeiro momento em gerar renda para, depois, pensar em preservar. Nem, tampouco, de conservar a floresta, sem pensar em agregar valor aos seus produtos. Em suma, um processo de geração de riquezas, sem gerar assimetrias sociais nem degradação ambiental. Trata-se de uma tarefa difícil, muito difícil, mas, possível e exequível.
Neste quadro, qualquer formatação de um conjunto de políticas públicas ou de implementação de projetos, visando ao desenvolvimento da Amazônia, deve partir do pressuposto de que toda atividade econômica – a geração de riquezas -, deve ter como condição prévia, a baixa emissão de carbono. O que pressupõe, como decorrência, uma nova postura da sociedade, sobretudo, do governo local, como parte desta.
Esta análise, aponta para a necessidade de se elaborar uma política global, por suposto, incluídos outros sistemas de produção e suas particularidades, de forma que se possa elevar a renda do conjunto das populações rurais, ao mesmo tempo em que se promova a conservação dos recursos naturais. Esta política, frente às diversidades da realidade acreana, certamente deveria se constituir num conjunto de iniciativas que garantissem e estabelecessem espaços para as atividades produtivas já existentes na região, e a serem criadas, mas, sobretudo, redefinindo papéis, historicamente consolidados, como o do próprio Estado.
É nesse contexto, que se propõe a discussão do agronegócio. Cabe a este se constituir na atividade econômica moderna, capaz de gerar externalidades positivas, ser o carro-chefe da economia acreana, sem, no entanto, aumentar as taxas de desmatamento ou ampliar a degradação ambiental.
A nosso favor, para estudo, existem inúmeras atividades exitosas e muitos erros que podem ser evitados e, ainda a formação de mercados, cuja base é a valorização de mercadorias produzidas em condições ambientalmente sustentáveis, com baixa emissão de carbono, o denominado mercado de “produtos de gás neutro”, e, também, o mercado de ativos ambientais, como estoque de carbono e bens culturais.
O Acre deve se aproveitar dessa janela de oportunidades, e consolidar um modelo de crescimento econômico baseado no agronegócio com responsabilidade ambiental. Este, certamente, será a trajetória moderna e contemporânea do novo estilo de desenvolvimento, como mostra o movimento crescente de adesão ao “Grupo Força Tarefa dos Governos pelo Clima e Floresta”.

Carlito Cavalcanti é doutor em Economia pela Unicamp, ex-Reitor da Ufac, Presidente do Instituo de Mudanças Climáticas do Governo do Acre. .

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