O processo de mudança da realidade

Por Denes Freitas*

Planejar é a arte de materializar os sonhos. Dessa forma, o excelente planejador deve, antes, ser um sonhador idealista. Isso significa que o desejo de materializar o sonho produz o planejamento, o qual será o guia da ação, de maneira que a ação sem planejamento é irracionalidade, o planejamento sem sonho é esterilidade e o sonho sem planejamento e ação é mera fantasia.

Neste pequeno artigo, explicarei brevemente com funciona o processo de modificação da realidade ou de materialização do sonho, o qual pode ser representado por uma corrente de três elos, quais sejam: 1º) sonhar; 2º) planejar; e 3º) agir.

1º Elo: o sonho

Os sonhos se manifestam, em regra, quando estamos dormindo, em descanso ou relaxamento. É quando nos encontramos despidos de todas as nossas tensões, armaduras, máscaras e outros condicionamentos inerentes da vida em sociedade que nossa natureza mais profunda se manifesta em forma de sonho. Ele brota do solo fértil de nossas mentes e floresce em nosso espírito, nos enchendo de alegria e ansiedade.

Os sonhos nascem e, se regados e cultivados, podem criar raízes profundas em nosso espírito. Acreditavam os antigos que os deuses se comunicavam com os homens através dos sonhos, logo, é possível deduzir que dessa forma subjetiva, talvez, possamos nos comunicar com outros planos e níveis existenciais. Os sonhos, talvez, sejam a forma de captarmos, no plano das ideias, uma concepção ou conceito que poderá mudar para melhor a nossa realidade.

Ao surgirem, eles projetam na tela de nossas mentes uma imagem ou cena que configura a materialização do que se deseja. Normalmente, trazem consigo grande carga emotiva e possuem considerável potencialidade de contágio, ou melhor, de influenciar outras pessoas. Essa visualização é denominada em linguagem técnica de “visão”. Um planejador sem visão é só um técnico, uma ferramenta, uma engrenagem sem vida e o sonho é a graxa no meio das engrenagens. Por outro lado, a ausência de sonho é areia no meio das engrenagens.

O sonho, se bem comunicado, pode influenciar e ser compartilhado por milhares de pessoas e mover uma família, estado ou uma nação inteira rumo a um grau civilizatório superior. Todavia, sonhar sem domínio das técnicas de planejamento e ação não produz mudança concreta. No processo de mudança da realidade, o sonho é fundamental; entretanto, sem domínio das técnicas de planejamento, ele estará fadado ao fracasso. Então, passemos agora à analise do planejamento em si mesmo.

2º Elo: o planejamento

Aristóteles disse, em seu livro Ética a Nicômaco, que o que difere um homem de um cavalo (ou animal) é o elemento racional e que esse elemento nos aproxima dos deuses. Dessa forma, a racionalidade é a essência da natureza humana e quanto mais racionais, mais humanos, e quanto menos racionais, menos humanos e mais próximos aos animais nos tornamos.

Marx, no capítulo V do seu livro O Capital, nos explica que o que difere o pior tecelão de uma aranha e o pior arquiteto de um pássaro joão-de-barro é a capacidade de prefigurar na mente o resultado de sua ação, antes de executá-la. Então, a aranha tece sua teia e o joão-de-barro constrói sua casa, não como decorrência da razão, mas por imposição da natureza, estando aprisionados a ela, trabalhando sempre da mesma forma. Ao passo que o homem consegue prefigurar em sua mente o resultado de sua ação antes de materializá-la, podendo modificá-la, aperfeiçoá-la, até atingir o êxito. Essa prefiguração é o planejamento.

Planejar, portanto, é um subproduto da racionalidade inerente à natureza humana. O homem, nesse contexto, é um ser racional, logo, sua ação e a forma de relacionar-se com os demais e com a vida deve refletir sua natureza, sendo tudo o que lhe rodeia impregnado pela razão. O planejamento, portanto, é um fenômeno natural, racional e lógico por excelência.

Em síntese, o planejamento irá nos informar quem somos e por que existimos (missão e valores), onde estamos (diagnóstico), onde queremos chegar em determinado espaço de tempo (visão), qual caminho irá nos levar até nosso objetivo (objetivos estratégicos e projetos) e como mediremos o atingimento dos objetivos (indicadores e metas).

Nesse contexto, o “quem somos” e “por que existimos” corresponde à construção ou descobrimento da identidade pessoal ou de organizações, através do uso de técnicas de autoconhecimento ou elaboração da identidade organizacional. O “onde estamos”, por outro lado, pode ser representado pelas técnicas de diagnóstico. O “onde queremos chegar” é a materialização dos sonhos e é representado através de uma frase cujo enunciado deve refletir a “visão”. Os “passos a serem dados” compreendem os programas, objetivos estratégicos, projetos e subprojetos. Por fim, as métricas a serem aplicadas para mensurar o atingimento dos objetivos são os indicadores e metas.

Todo esse processo é governado pela lógica clássica que defende a tese que todo fenômeno, isto é, tudo o que aparece no plano da existência possui uma causa (ou várias causas). Então, todo problema pessoal, social ou institucional, sendo um fenômeno, possui causas, as quais, se forem extintas, resultarão no desaparecimento do problema. Essa lógica em latim é expressa na seguinte frase: sublata causa, tollitur effectus, que em tradução livre significa “ataque a causa e cessam os efeitos. De igual modo ocorre com os sonhos. Eles são “efeitos”, cuja causa deve ser produzida pela ação. Portanto, todo o processo de materialização do sonho é governado pela Lei da Causalidade, isto é, “causa e efeito.

Dessa forma, para a materialização dos sonhos e para a mudança da realidade, se faz necessário dominar toda uma instrumentalidade técnica, teórica e filosófica do planejamento, o qual, governado pela Lei da Causalidade, conduzirá a ação humana ao objetivo que se mira. Não importa quão idealista, visionário e sonhador você seja, se não dominar as técnicas de planejamento, todos os seus sonhos estarão fadados ao fracasso e não verão a luz do sol.

Então, passemos a breve análise da ação.

3º Elo: a ação

A ação consiste em um conjunto atos conectados logicamente que visam um fim. Assim como um texto escrito precisa ter conexão entre parágrafos, coerência entre as partes e coesão, a ação deve apresentar iguais características e o planejamento deve manifestar harmonia causal entre todas as suas partes constitutivas.

Os atores responsáveis pelas ações singulares têm a tendência de perder a noção da totalidade, afinal, como disse Aristóteles, “o todo é a soma das partes”, logo, para se ver a totalidade, se deve dominar as partes e compreender sua coerência, coesão e conexão, de maneira que o “todo” se movimente em uma direção (a visão).

A ação requer força, vigor, fé, monitoramento e acompanhamento, para que se saiba se está se movimentando na direção certa. Ao final de cada fase, se deve avaliar a ação realizada e proceder com os ajustes necessários.

Esta é a parte mais sensível. No entanto, o sonho e o planejamento possuem maior peso no resultado. Os asiáticos utilizam mais tempo planejando e menos executando.

A ação é a parte sensível do elo de mudança da realidade, pois o imponderável poderá se manifestar, e só pessoas que compartilham do mesmo sonho, ou melhor, da mesma visão, poderão juntas superar todos os obstáculos e adversidades impostas pela realidade em face da ação humana.

Portanto, o processo de mudança da realidade corresponde a um sonho, que, se bem planejado e executado, irá se manifestar no plano da realidade. Todo esse processo dá, aos pares, sentido de propósito, de missão, de que se faz parte de algo maior e que vai além delas mesmas. Esse sentimento de estar fazendo parte de algo histórico, e talvez revolucionário, aquece os corações, revigora as forças e produz mudanças.

Não desistamos de nossos sonhos e vamos à luta, meus amigos!

*Denes Freitas é professor de História, advogado e técnico administrativo do Detran/AC, atualmente na função de chefe do Departamento de Relações Interinstitucionais da Secretaria de Estado de Planejamento do Acre