Solidariedade à flor da pele

Meus dois filhos acreanos são muito novinhos, mas, tais como eu, a mulher e a outra menina já moça, haverão de lembrar desta alagação de 2012 como um momento de extrema agonia climática e social no casco da terra, no leito do rio e no peito da gente desse nosso Acre de meu Deus.

Quem quiser entender a dimensão desse fenômeno que agigantou o Rio Acre e apequenou Rio Branco, não fite a régua de medição das águas – olhe nos olhos de quem viu Brasileia submersa, índios ilhados, ribeirinhos isolados, gente sofrendo.

Perdas e danos de todas as espécies descem na violência das águas, mas elas também provocam uma corrente de solidariedade que, sem negar a gravidade do momento nem o desafio da recuperação, faz acreditar que o Acre vai emergir mais forte e os acreanos sairão engrandecidos dessa alagação. Isso me toca o coração e a memória.

Vim do Nordeste – não do sertão, mas da zona da mata -, e cresci convivendo com as cheias – essa pancada que o Acre me ensinou a chamar de alagação. Na Mata Sul de Pernambuco, a 120 quilômetros do Recife, a cidade de Palmares fica plantada no ponto onde o Rio Pirangi vitamina o valente Rio Una. Lá cresci e iniciei meus estudos. Palmares é vezeira nas enchentes, mas nos anos setenta a casa de minha família, no alto da Praça Santo Amaro, era livre das águas que invadiam as ruas de baixo. A casa se enchia era de gente amiga desabrigada, os adultos cuidando dos prejuízos e nós, na meninice, tomando as primeiras lições práticas de solidariedade.

O tempo passou, eu cresci, e o Rio Una resolveu arregaçar, subiu a Praça Santo Amaro já algumas vezes e em 2010 subiu até as escadas do primeiro andar da casa do meu pai, que perdeu tudo. Desabrigado, meu velho também foi acolhido.

Conheço  de enchentes, posso dizer. Então, além da violência, impressiona a longa duração dessa alagação do Rio Acre. Em 2010, a enchente em Pernambuco e Alagoas foi devastadora, mas passou como um furação de água e durou três dias. Começou a encher no dia 17, teve ápice no dia 18 e vazou em 19 de junho. Três dias, como dura a maioria das enchentes por lá. Agora aqui em Rio Branco a alagação tomou de conta em 15 de fevereiro e só no dia 28 começou a vazar, ainda se mantendo nos 17 metros, com 38 bairros e 14 comunidades rurais debaixo d’água.

Nunca vi enchente de 15 dias. Mas prefeito Raimundo Angelim, atento a tudo, já responde que dos 59 primeiros dias de 2012, o Rio Acre se mantém há 36 dias acima do nível de alerta, que é 13,50 metros. Hoje, 29 de fevereiro, seguimos acompanhando a cota do rio, quem sabe a passagem bissexta lhe acalma à fúria.

Vejo a rara combinação de humanismo e eficiência gerencial com que o governador Tião Viana lidera a sociedade acreana em momento tão difícil. Doações, apoio, palavras e preces chegam de todo o Brasil. O Acre agradece e reage de uma forma tão própria, tão comovente, que se perguntam como sua gente vai sair dessa, vou logo dizendo: buscando forças nessa solidariedade acreana que eu também trago à flor da pele. E até à flor d’água, se preciso.

Gilberto Braga de Mello, jornalista e publicitário

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