“Tem doador para todo mundo, o que não tem é doação”, diz especialista em transplantes

“O gesto de amor de uma família, que mesmo em seu momento de dor, autorizou a doação, salvou a minha vida”, diz Silvania Rossetto (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)

“Não existe uma indústria que produza os órgãos. Eles são um produto natural, da indústria divina. Esses órgãos vêm de pessoas que já encerraram sua passagem com esse mundo, por morte encefálica, que é a verdadeira definição de morte. Entendemos a dor das famílias, que muitas vezes ficam à espera de um milagre, mas quando não há mais nenhum tipo de atividade cerebral, a situação é irreversível”, ressalta o cirurgião hepático, Tércio Genzini.

A frase dita por uma das maiores autoridades em transplantes de fígado no país, é um choque de realidade que acende a necessidade de uma maior conscientização sobre a importância da doação de órgãos para salvar e garantir uma melhor qualidade de vida em pacientes, que em muitos casos, acabam não resistindo a espera, e morrem na fila de transplantes.

Genzini é responsável pelas equipes de transplantes do Acre e do Hospital Bandeirantes, em São Paulo,  realizou palestras essa semana durante a Campanha Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos, “Setembro Verde”.

“Então, é através da informação, da conscientização, que vamos reverter a recusa familiar. É exclusivamente através desse gesto de amor, que outras pessoas que aguardam na fila de transplantes vão poder ter uma nova chance de vida”, completa Genzini.

A doação de órgãos salvou a vida de Silvania Rossetto. Durante o evento, realizado pela Secretaria de Gestão Administrativa (SGA), Fundação Escola do Servidor Público do Acre (Fespac) e a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), ocorrido no auditório do Sebrae, ela falou sobre o que passou fazendo hemodiálise.

“Foram 11 anos ligada à máquina, passando mal, vivendo mal. Imagina neste calor e não poder se quer beber água. É um sofrimento imenso, que se atenua ainda mais pela incerteza de não saber até quando seus órgãos vão suportar aquela condição. Há seis anos ganhei um rim, uma nova oportunidade de vida, que veio através da doação de uma criança de sete anos. Hoje sou militante da causa, levo a conscientização da doação de órgãos por todos os cantos que passo, pois foi um gesto de amor de uma família, que mesmo em seu momento de dor, autorizou a doação e salvou a minha vida”, diz emocionada.

Recusa familiar é a maior barreira

No Acre, a recusa para doar um órgão chega a 70%. As famílias não autorizam a retirada de órgãos que poderiam salvar até três vidas e melhorar a qualidade de vida de outras cinco pessoas. Em 2016, mais de duas mil pessoas que estavam na fila de transplantes em todo país, morreram. Dessas, 82 eram crianças.

Os dados são da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), que divulgou que no mesmo ano, as centrais estaduais de transplantes identificaram mais de 10 mil pessoas que tiveram morte encefálica e poderiam ser doadoras.

“O profissional que faz a entrevista familiar tenta dar conforto, acolhimento e informação. Vale lembrar que ele vai estar diante de pessoas que estão sofrendo porquê perderam alguém que amam. Mas é preciso que as decisões também sejam tomadas na hora certa, porque aquele corpo que teve morte encefálica vai durar poucas horas ou poucos dias. Mas a decisão final cabe da consciência e do coração de cada um, por isso é tão importante o esclarecimento sobre o assunto”, esclarece o médico.

Palestra da programação do “Setembro Verde” foi realizada no auditório do Sebrae (Foto: Júnior Aguiar)

Galgando ano a ano avanços até na medicina especializada, o Acre cresceu e apareceu. Hoje é o estado que mais realiza transplantes de fígado na Amazônia, sendo procurado por pacientes de outras regiões para a realização de transplante. Além dos 305 procedimentos realizados pelo Hospital das Clínicas, em Rio Branco, outros 300 pacientes receberam órgãos via Tratamento Fora de Domicílio (TFD) da Sesacre.

“Quando surgiu a ideia de transplante de fígado no Acre, não só os acreanos, mas o Brasil inteiro questionou isso. Até mesmo grandes especialistas no assunto diziam que não seria possível fazer transplante de fígado no Acre, que era um estado muito pequeno, que não tinha condições estruturais. Mas posso confessar, que dos pouco mais de mil transplantes que minha equipe fez desde 1996 até agora, os que eu tenho mais orgulho de ter feito são os daqui do Acre. […] E hoje o Acre é a referência em transplantes de fígado na Região Norte”, lembra Genzini.

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